10/07/2011

PÃO E CIRCO




Panem et circenses é a forma acusativa da expressão latina panis et circenses, que significa "pão" e [jogos] circenses", mais popularmente citada como pão e circo. Esta foi uma política criada pelos antigos romanos, que previa o provimento de comida e diversão ao povo, com o objetivo de diminuir a insatisfação popular contra os governantes. Espetáculos sangrentos, como os combates entre gladiadores, eram promovidos nos estádios para divertir a população; nesses estádios, pão era distribuído gratuitamente. O custo desta política foi enorme, causando elevação de impostos e sufocando a economia do Império.
Curiosa (ou tragicamente) muito tempo depois do fim das carnificinas sanguinolentas da antiguidade Charles Haddon Spurgeon, pregador batista do século XIX anteviu a situação que parte, do que se chama igreja, vive nos dias de hoje. Spurgeon disse: "A igreja abandonou a pregação ousada; em seguida, ela gradualmente amenizou seu testemunho; depois, passou a aceitar e justificar as frivolidades que estavam em voga no mundo, e no passo seguinte, começou a tolerá-las em suas fronteiras; agora, a igreja as adotou sob o pretexto de ganhar as multidões".

Penso que esta afirmação nos mostra de forma bastante clara como tem se dado o processo involutivo da igreja. Dentre os vários fatores que contribuem para a deterioração do evangelho puro e verdadeiro no meio do povo de Deus certamente se destaca o “princípio romano” de entretenimento que é oferecido todos os dias aos frequentadores de templos religiosos em todas as partes do mundo. E, a exemplo do Coliseu romano, o “pão” e a “diversão” ofertadas hoje também tem um custo elevadíssimo para seus espectadores.
A verdade é que o desejo de tornar o culto mais atrativo para as pessoas tem gradativamente mutilado princípios divinos, descaracterizado Sua palavra, desviado o olhar das pessoas da face de Cristo e o atraído apenas ao suprimento de suas necessidades e desejos naturais e emocionais. O Pão Vivo é trocado por uma despensa cheia de mantimentos; a presença do Espírito de Deus é substituída por um “sopro” instantâneo ou por um graveto incandescente trazido de algum monte qualquer; a Palavra da verdade é abrandada e transformada em palestras de auto-ajuda, de vitórias, conquistas e “prosperidade”; a adoração agora é show de música, animação com danças e luzes.
No entanto, é intrigante, observar que não há nenhum relato na Bíblia (pelo menos na minha Bíblia, rsrsrs) de algum apóstolo ou profeta que tenha se utilizado de meios sequer parecidos com os que vemos hoje para atrair multidões. João Batista por exemplo, aquele que veio preparar o caminho do Salvador clamando no deserto, lotava todos o cultos apenas pregando a mensagem que dizia basicamente "arrependei-vos porque é chegado o Reino dos céus". Também não há relatos (pelo menos na minha Bíblia, ou na história da igreja primitiva) que os apóstolos precisaram divertir seus espectadores, ou dar-lhes pão para que estes se convertessem. Ao contrário, os homens de Deus ao longo da história, confrontavam as pessoas com uma mensagem dura, mas que os tirava de seu estado letárgico.
Infelizmente a mensagem mais propagada nos “palcos” e “picadeiros” de nossos templos nos dias de hoje quase nos faz aceitar a ideia de que não é mais necessário se arrepender e confessar a Cristo como Senhor e Salvador para ser salvo.
A Bíblia (pelo menos a minha), nos ensina que sofreríamos perseguições, calúnias, difamações, etc., não por distrair e alimentar o povo, mas sim por apontar e colocar o dedo nas suas feridas morais e espirituais. Os verdadeiros discípulos de Jesus foram apedrejados, crucificados, decapitados, esquartejados porque anunciavam um evangelho que revelava as vergonhas praticadas pelos religiosos de plantão de sua época. Enquanto o próprio Jesus não veio para ser servido, mas sim para servir, e nem requereu adoração para si mesmo, o que mais vemos é a arrogância de pessoas que dizem falar em nome de Deus requerendo servidão, reconhecimento e obediência de seus seguidores.
Nem Jesus, nem qualquer de seus discípulos jamais precisou ir a qualquer espetáculo de música cheio de tietagem idólatra para saber o que era verdadeira adoração. O Senhor nunca precisou organizar passeatas (ou marchas) inchadas pelo ego humano em Seu próprio nome para ser proclamado, nem tampouco precisou marcar hora ou exigir oferendas “voluntárias” para curar ninguém. A auto-exaltação e a fama, o espetáculo e o entretenimento estavam definitivamente fora de cogitação no ministério de Jesus.
A igreja primitiva se mantinha muito ocupada pregando o evangelho genuíno e por isso não tinha tempo para entreter o povo. Em meio à perseguição que sofriam, os primeiros cristãos não tinham tempo para “shows da fé” ou para movimentos populistas e marqueteiros.
As bizarrices que vemos por aí são uma declaração explícita de abandono da fé na Palavra de Deus. Como se esta já não fosse mais suficiente para cumprir os planos de Deus, e como se o próprio Deus tivesse se tornado um tanto quanto ultrapassado para esta geração e, portanto, precisasse da nossa criatividade para torná-lo moderno e popular.
Me desculpem os defensores e promotores do “show business gospel”, mas isso não tem nada a ver com avivamento, isso é mero entretenimento, é puro pão e circo, emocionalismo, sensacionalismo, capitalismo e disputa de egos. Avivamento significa restauração da vida ou da consciência, fortalecimento, mudança de condição. Avivamento diz respeito a uma mudança profunda e permanente no caráter, daqueles que professam a fé em Cristo, vulgo, cristãos.  Sinceramente, não me parece que o “gargarejo” e a euforia das multidões durante os espetáculos de suas “estrelas” estejam produzindo esta mudança.  

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